Refém

Estou refém em minha própria casa.
Não, não tenho pulseira electrónica pelo crime de ser português e trabalhador da defunta classe média, nem estou a ser vigiado pela NSA (isto é, penso eu).
Estou refém, com os movimentos condicionados em casa, à sala, à cozinha e sob reserva, de uma retrete, ao qual, para a alcançar, tenho que demonstrar estar apto a repetir as façanhas épicas de um semi-deus grego e enfrentar os monstros de Hades, Ciclopes, Orks e os sátiros Trolls Coelho & Seguro. Só falta mesmo o Jesus!
Tudo começou assim ...
Em cumprimento de obrigações profissionais e aos quais nem sempre é possível escapar, recebo um telefonema da “guilda das mulheres aqui da Casa”, tipo, informativo declarativo.
A informação foi um choque. Um desafio à minha capacidade de tolerância.
A nossa experiência de vida vai-nos preparando para enfrentar, “cenas” cada vez mais pesadas e emocionalmente fortes. Mas aquele telefonema foi mais além do que poderia alguma vez ter esperado ouvir. Tal a sua inesperada violência, que emocionalmente, boicotei a sua importância. Era me dolorosamente impossível querer interpreta-lo. Fiz o que humanamente é possível ... Esqueci-o!
Algumas horas depois, liberto dos compromissos profissionais e após uma relaxada viagem de automóvel, entro em casa e … BUM … um insuportável cheiro a jaula de leão (nunca lá estive mas imagino que cheire assim). A realidade rebentou como um contentor despenhado sobre a minha cabeça. As palavras ouvidas algumas horas atrás explodiram dentro de mim como a aproximação dos últimos segundos de uma vida que se afoga longe da vida: “não te assustes, mas as miúdas foram buscar a gata ...”. Eu tinha um BICHO, tipo Felídeos em casa. Um flash sobre o momento em que recebi o telefonema e recordei tudo … num ápice, a minha vontade de emborcar o tinto, o branco e o jarro de sumo de laranja pela goela abaixo. Gestos parasuicidários, cujas repercussões no resto dos meus dias de vida seriam, seguramente marcantes e significativos. 
Subitamente, um clarão de compreensão e a realidade prensou-me. Compreendi a impotência do “macho” perante as subtilezas da sindicância feminina.
A vertigem desse momento esvaiu-se como uma ampulheta órfã que não pode ser mais invertida a dura realidade bateu-me forte e feio, velocidade pura e dura de uma gigantesco camião contra a minha frágil pessoa, sem airbags, nem metal protetor, apenas a carne desintegrada num ápice. Estava convencido que sendo o único macho, os hamster não contam ok, liderava o processo das decisões importantes da casa. Agora um BICHANO, evidenciou o quanto era frágil essa ilusão. O PODER é definitivamente delas. A extensão dos seus poderes, tipo Maçonaria ou Goldman Sachs, é de uma disfarçada persuasão, criando a ilusão, a magia, que és tu, o Homem da casa, o cabeça do casal, o representante da família e, afinal, não passo de motorista e do tipo que muda as lâmpadas e mata os "gigantescos" insetos invasores nas noites de janela aberta.
Reparto, agora uma parte da minha casa com uma violenta fera, malcheirosa e pérfida como só uma gata pode ser, ao fazer uns miadinhos piedosos, para que me hipnotize e transforme em mais um zombie. E depois e o que aconteceria? Iria ouvir insinuações em como afinal até tinha achado piada … blá blá e no dia seguinte tinha um ANIMAL desses cá em casa, a dormir na minha cama, a deitar-se no sofá, a roer os meus chinelos etc …
Vou sair para comprar uma arma!
Em bom português … estou … 0!

Bom Dia … pra si.

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